sábado, 11 de setembro de 2010

“Somos o que comemos”, mas o Brasil é o Campeão mundial no uso de agrotóxico

Por Flávio Azevedo
O equipamento costal é o que leva maior perigo a saúde do aplicador de agrotóxicos
Cada vez mais estudos científicos confirmam o princípio naturista de que “somos o que comemos”. Aliás, está provado que o bom funcionamento do corpo está condicionado ao que consumimos. Porém, dados divulgados pelo Censo Agropecuário 2006, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que cada vez mais o brasileiro está consumindo herbicidas, fungicidas e inseticidas. A pesquisa revela que mais de 1,5 milhão, das 5,2 milhões de propriedades rurais brasileiras utilizam agrotóxicos ou defensores agrícolas. O Censo mostrou também, que 56% destas pessoas não recebem orientação técnica e 20% (296 mil) das propriedades não oferecem equipamento de proteção individual (EPI) ao trabalhador.

Esse cenário deu ao Brasil, em 2008, o título de campeão mundial de uso de agrotóxicos. Foram 673.862 toneladas de defensivos agrícolas, o equivalente a cerca de 4 quilos por habitante. De acordo com o Sindicato Nacional da Indústria de Defesa Vegetal (Sindag), o faturamento da indústria química no ano passado no Brasil foi de US$ 7 bilhões. As maiores aplicações de agrotóxicos ocorreram nas plantações de soja, milho, cana-de-açúcar, algodão e cítricos.

As consequências do uso dos agrotóxicos são inúmeras e coloca em risco, tanto a saúde dos trabalhadores, quanto a dos consumidores. No caso dos trabalhadores, os riscos variam de acordo com o tempo e a dose da exposição aos diferentes produtos. Os efeitos agudos são intoxicações, dores de cabeça, alergias, náuseas e vômitos.

Já os efeitos crônicos vão desde a infertilidade masculina, má formação congênita, abortamento precoce, recém-nascido com baixo peso, cânceres (especialmente os linfomas), doenças hepáticas, alterações do sistema imunológico, possibilidade de mutagênese – indução de mudanças genéticas que vão resultar em processos de cânceres ou em filhos com má formação congênita –, a problemas de pele e respiratórios, isso sem citar as doenças neurológicas.
Uma significativa ilustração
Estudos relacionados aos impactos do manuseio dos agrotóxicos, por trabalhadores, indicam que mesmo com a utilização dos EPI, outras exigências devem ser respeitadas ao se usar os defensivos agrícolas. Um dos pré-requisitos é o “período de reentrada”, que acontece após a aplicação do veneno, quando ninguém pode entrar na área. Para alguns produtos, esse tempo é de três horas, para outros, sete dias.

Se, para os trabalhadores, os prejuízos do contato com os agrotóxicos são alarmantes, quem consome esses alimentos também podem enfrentar problemas de saúde. Especialistas afirmam que o aumento dos casos de alergia, de câncer e de doenças imunológicas aponta a urgência em se discutir o assunto, afinal “somos o que comemos”.

Veneno na mesa

O que poderemos comer sem receio?
De acordo com a última pesquisa realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2008, o pimentão foi o alimento que apresentou maior contaminação de resíduos de agrotóxicos. Mais de 64% das amostras analisadas estavam contaminadas. O morango, a uva e a cenoura, também apresentaram índices elevados de contaminação, com mais de 30% cada.

Foram monitoradas 17 culturas, abacaxi, alface, arroz, banana, batata, cebola, cenoura, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pimentão, repolho, tomate e uva. Das 1.173 amostras coletadas, 15,29% estavam irregulares quanto aos resíduos de agrotóxicos. Outro dado preocupante é que as substâncias proibidas em muitas partes do mundo, como acefato, metamidofós e endossulfam, foram encontradas de forma irregular nas culturas de abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva.

Dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) revelam que o brasileiro não sabe o que está consumindo, porque no Brasil, as embalagens não informam sobre a existência de resíduos tóxicos nos produtos. Uma pesquisa feita pelo Idec com o alimento mais popular do país, o feijão, apresentou resultados preocupantes. Das 33 marcas analisadas, nove delas não poderiam ser comercializadas, por apresentarem resíduos de agrotóxicos proibidos pela Anvisa, como o endossulfam.

Preocupação

O Brasil é o principal destino de agrotóxicos proibidos
Nos últimos anos, o Brasil é o principal destino de agrotóxicos proibidos pela comunidade internacional. As lavouras brasileiras estão utilizando, pelo menos dez produtos proibidos na União Europeia (UE), Estados Unidos, e até no Paraguai. Divergências no governo, pressões políticas, lobby das indústrias produtoras e ações na Justiça, impedem a retirada desses venenos do mercado. Dos 14 produtos que deveriam ser submetidos à avaliação, só houve uma decisão: a cihexatina, empregada na citrocultura, será banida a partir de 2011.

Enquanto as decisões são proteladas, o uso dos agrotóxicos suspeitos de afetar a saúde humana aumenta. É o caso do endossulfam, que o país importou, em 2008, 1,8 mil toneladas, apesar da informação de que este produto provoca problemas no sistema endócrino (glândulas). Para a coordenadora do Sistema Nacional de Informação Tóxico-Farmacológicas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rosany Bochner, “consumimos o lixo que outras nações rejeitam”.

Já o pesquisador da Fiocruz, Marcelo Firpo, destaca que essa situação não é novidade, e já aconteceu nos debates que envolveram a proibição do amianto, mineral proibido de ser comercializado pela comunidade internacional. “Quando o uso desse produto foi proibido houve pressão para aumentar as vendas no Brasil, que paga por isso um preço invisível, o aumento dos custos na área da Saúde ao atender as pessoas doentes por causa desses problemas”, analisa.

Fonte: Revista Caros Amigos

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