terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Pág. 2 - Editorial da 10ª Edição - Desastres naturais ou desastres provocados?

Por Flávio Azevedo

Uma foto emblemática do Bumba. Uma casa destruída ao meio!

Não faz muito tempo as manchetes falavam do morro do Bumba, em Niterói. Chovia forte no dia 7 de abril, de 2010, quando se ouviu um estalo e o morro veio abaixo. Segundo um levantamento da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio de Janeiro (Arpen-Rio), 250 pessoas morreram e ao menos 10 delas nunca foram localizadas. Ficaram sepultadas sob os escombros da avalanche de lama e lixo.
Vista aérea do Vale do Itajaí/SC,
uma das regiões mais atingidas em 2008

Também não faz muito tempo que o estado de Santa Catarina estampava as manchetes. O Vale do Itajaí foi arrasado pelas inundações e deslizamentos de terra. De acordo com os organismos que trabalham com estatísticas, o número de mortos por lá foi 135. Na verdade, os catarinenses ainda não se recuperaram da catástrofe, que aconteceu em 26 de novembro de 2008.

E o Nordeste? Até lá, onde as chuvas são raras, as desgraças também aconteceram. Os estados de Alagoas e Pernambuco enfrentaram uma enxurrada violenta que destruiu cidades e deixou cerca de 60 pessoas sem vida.

Agora foi a vez da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, onde já foram contabilizados cerca de 700 mortos. É provável, porém, que ainda exista mais gente soterrada e muitos outros que esperam sepultamento, porque em alguns lugares o socorro demorou a chegar. Os municípios de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo, Sumidouro, São José do Vale do Rio Preto, Bom Jardim e Areal foram duramente atingidos.
 

Cenário de guerra e destruição na Região Serrana. O numero de mortos não para de crescer!
E os culpados por esses desastres, quem são? Somos todos nós! Se o poder público tem culpa – e, é claro que tem! – nós também contribuímos para esse descontrole natural. Convém lembrar que chuvas, chuviscos e chuvaradas não são novidades. A ação destruidora do homem também não. Entretanto, no último século ela se tornou mais predadora, poluidora e, sobretudo, inconsequente.

Outros fatores, porém, não podem deixar de ser incluídos, por exemplo, a mesquinhez, a ganância, a arrogância e o egoísmo, que cegam o bom senso e fazem as pessoas priorizar o TER em detrimento do SER.

Também é triste quando vemos as desgraças sendo atribuídas a Deus. Quem nunca ouviu essa frase? “Nós precisamos nos conformar... Deus quis assim... Fazer o que?!”. Chega de atribuirmos a Deus, a culpa que é nossa!

Mas tem ainda outro ponto que ninguém gosta de tocar, sobretudo aqueles que são dotados de espírito frouxo. As imagens de destruição retratam as políticas públicas dos últimos 50 anos no país (prefeituras, estados e federação). Elas foram DESASTRADAS, TRÁGICAS, CATASTRÓFICAS... Os nossos gestores, se é que podem ser chamados assim, com raríssimas exceções só tem olhos para dinheiro e benesses. Eles trocam, descaradamente, projetos políticos por projetos de poder.

Favela Jaqueline, na Vila Sônia, zona sul de São Paulo.
Esses senhores – e senhoras – parecem viver em outro planeta. Não percebem rios assoreados, ocupações desordenadas, processo de favelização, falta de um sistema de alerta, entre outras coisas que poderiam amenizar o impacto dos desastres naturais. Enquanto enriquecem as nossas custas e ampliam os seus bens, a necessidade de habitação dos menos favorecidos – um direito constitucional – faz com que abrigos – não podemos chamar de casas – sejam construídos em lixões, encostas, morros ou sob barrancos.

O Bumba era um lixão que funcionou por cerca de 15 anos.
Em Niterói, por exemplo – uma das primeiras cidades do estado, em qualidade de vida – ninguém sabia que o Bumba era uma montanha de lixo. É brincadeira? Quem aprovou as construções que desabaram? Quem fingiu que não viu essas construções tomando forma? Quem não quis dizer nada para não perder votos? Quem ganhou um terreno por lá em troca do voto? Quanta desfaçatez!
(http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0,,MUL1564265-5606,00-FILME+MOSTRA+MORRO+DO+BUMBA+QUANDO+LOCAL+AINDA+ERA+LIXAO.html

O governador Sérgio Cabral é um turista! Parece que ele esteve muitos anos fora do país e não viu o que ele chamou de “permissividade da ocupação de áreas irregulares, que aconteceram em larga escala em todos os lugares”. De acordo com o governador, “se houvesse um padrão rígido de ocupação, teríamos vítimas sim, porque o volume de chuva foi acima do normal, mas não teriam tantos mortos!”.

Sérgio Cabral (PMDB)
O chefe do Executivo Fluminense parece ter esquecido que nos últimos anos, ele foi deputado estadual – presidindo, inclusive, a Alerj –, chegou a ser senador da República... Aliás, parece que ele também esqueceu que já está no seu segundo mandato de governador. Fica então a pergunta: o que esse senhor fez para impedir que as pessoas continuassem se estabelecendo em áreas de risco? Nada! Ele também foi permissivo!

Bom, por outro lado, Cabral dividiu a culpa do estado com as prefeituras – e eu concordo em gênero, número e grau. Com essas declarações, ele confirma o que nós dissemos anteriormente: nos últimos 50 anos, as políticas foram DESASTRADAS, TRÁGICAS e CATASTRÓFICAS.

Como na guerra, os mortos esperam reconhecimento e sepultamento
As imagens de horror que nós assistimos retratam o cenário que se desenha diante de nós. A “LAMA” representa a sujeira que corre de forma desenfreada nos bastidores políticos e institucionais do país. Por onde ela passa destrói a moral e a virtude. Já os “BOMBEIROS” figuram o estado, que aparece somente para localizar os cadáveres, assassinados pela lama, e, às vezes, ainda são soterrados por ela. E tem os “DEFUNTOS”, legítimos representantes da população.  

Assim como a maior parte das vítimas de deslizamentos de terra morrem asfixiadas (falta de ar), as nossas esperanças a cada dia estão sendo sufocadas... Ela está morrendo asfixiada pela desfaçatez, falta de vergonha e escrúpulos daqueles que deveriam nos representar. Por outro lado, quando nós olhamos para o nosso umbigo, a nossa esperança se esvai pela nossa própria cara de pau, pelo nosso cinismo e pelo nosso descaramento, porque vendemos o voto e preferimos continuar ignorantes e na aba dos figurões, simplesmente por olho grande e preguiça de trabalhar.
Cemitérios foram destruídos pela enchurrada. Faltou cova para os corpos!

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