domingo, 31 de março de 2013

Pág. 12 - A saga dos professores riobonitenses


Flávio Azevedo



“No Japão, o único profissional que não se curva diante do imperador são os professores, pois numa terra onde não há professores, não pode haver imperadores”. Essa suposta filosofia japonesa é totalmente contrária a lógica brasileira, onde o professor é uma categoria extremamente mal remunerada, desvalorizada e, quase sempre, desrespeitada. É o caso de Rio Bonito, cidade no interior do Rio de Janeiro, onde, no dia 06/02/2013, desde às 20h, professores de todos os níveis e graduações aguardaram, em uma fila, o dia seguinte, quando deveriam escolher a escola que iriam trabalhar no ano letivo de 2013.
A nossa reportagem chega a Rua XV de Novembro, no Centro, próximo a sede da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (Semec), por volta das 2h15min. Nesse momento, 109 pessoas já estão na fila. Às 5h, esse número ultrapassa os 180. A fila é composta por professores que fizeram o Processo Seletivo Simplificado da Semec. Eles passaram na prova escrita, foram aprovados na questionada entrevista, mas antes de ingressar no batente, os candidatos enfrentaram uma espécie de último desafio. Uma professora que chega por volta das 5h, ao ver o tamanho da fila, exclama se perceber que está sendo observada: “meu Deus já tem tudo isso?”.
De acordo com um comunicado fixado na entrada da Semec, que começa funcionar às 8h (SIC), o questionável costume de escolher a escola em que vai lecionar é o grande responsável pela imensa fila, porque todos querem ficar em escolas mais próximas das suas residências ou em localidades de fácil acesso.
– A secretária de Educação (Lucy Teixeira) esteve aqui e perguntou as razões de estarmos aqui. Em seguida saiu dizendo que precisava dormir, porque amanhã ela terá muito trabalho! A verdade é que isso precisa ser registrado, pois essa noite acaba de entrar para a história negativa de Rio Bonito. Estamos falando de professores jogados ao relento, expostos a chuva ou algum tipo de violência. Por outro lado, nós não queremos ir para Tatus, Braçanã e localidades distantes. Esses profissionais é que irão dar aula para os filhos dos riobonitenses – disparou uma educadora que, por motivos óbvios, pediu a preservação da sua identidade.
Em meio a revolta, indignação, desânimo e tristeza, uma professora também critica a categoria. “Gente, infelizmente, nós não somos bem representados. Por outro lado, nós também não estamos fazendo a nossa parte. Sendo assim nós seremos sempre tratados com esse desprezo”. Os baixos salários também foram tema da revolta dos ‘enfileirados’. “Essa fila enorme é por conta de um salário mínimo, o que é ridículo para um professor. Imagina se fosse um salário bom? Gente, Silva Jardim e Tanguá pagam muito melhor que a Prefeitura de Rio Bonito!”, disse outra professora.
A cena dos professores na fila desafia a sensibilidade de qualquer um que contempla a “saga” dos Educadores de Rio Bonito. Na Rua da Conceição, uma pessoa (um homem) dorme no chão frio protegido apenas por alguns jornais. Cadeiras de praia, cafezinho comunitário, biscoitinhos, bolos caseiros, água e até um jogo de cartas são elementos que ajudam o tempo passar, diminui a ansiedade e ameniza a humilhação. A solidariedade de alguns maridos que estavam na fila guardando o lugar das esposas, também é notada. Namorados acompanhando as suas namoradas, pessoas dormindo dentro dos carros e muita indignação, foram realidades captadas pela nossa reportagem.
Entre os professores, o principal combustível da indignação são as supostas barbeiragens na condução do processo seletivo. A demora em liberar o gabarito das provas (apresentado depois da entrevista); pessoas que pensam ter acertado a prova toda (gabaritou), mas sequer foram chamados para a entrevista; o anuncio da classificação dos aprovados em ordem alfabética; e a não divulgação das notas; são, segundo os professores, equívocos que, se evitados, poderiam servir como critério de desempate e a fila estaria dispensada.

Secretária se defende

No dia seguinte, via Facebook, a secretária Lucy Teixeira, escreveu: “assumimos uma Educação sucateada, sem estrutura, com escolas com paredes dando choque, buracos nos corredores e banheiros sem porta. Essas foram apenas algumas das dificuldades (visíveis que podemos citar). Qual o motivo de encarar, com 15 dias em frente a Secretaria de Educação, um processo seletivo Simplificado com tantas questões importantes a resolver?
Obviamente, o motivo se coloca para os que pensam! São cerca de 600 vagas, destas aproximadamente 300 para professores. Como começar o ano letivo sem cobrir essa carência? Não teríamos, ou não conseguimos enxergar outra saída que não fosse o Processo Seletivo Simplificado. Aliás, tem esse nome porque é diferente de um Concurso público, onde a estrutura é reforçada é o processo conta com um tempo maior. Erros? Sim tivemos erros e todos que o tempo nos permite corrigir, estão e estarão sendo corrigidos.
Para a professora que não quis se identificar (se é que ela existe) um recado: também já estive aí e sempre que precisei reclamar ou reivindicar me dignei a assinar, a me arriscar e contribuir para mudança. Toda equipe da educação tem ido dormir por volta das 3horas da manhã durante todo esse processo. Não fazemos isso para propagandear, mas para que as pessoas tenham mais recursos para avaliar antes de propagar uma inverdade. Ontem, foi um dos dias que chegamos as nossas casas cedo: 1h30 da manhã.
Todo esse esforço é nossa obrigação porque agora não adianta ficarmos reclamando que faltam profissionais para que a rede funcione. Temos que garantir que no dia 18 de Fevereiro as crianças e adolescentes sejam acolhidos e não lhes falte alguém na escola com os braços abertos para tal papel”.

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